Ellen G. White e os 144.000


Por Matheus Rosa



Introdução

          Entre as muitas descrições, quer de caráter literal quer de caráter simbólico, encontradas no livro de Apocalipse, os 144.000 são objeto de intenso e acalorado debate, dentro e fora da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A IASD sustenta a ideia de que esse número é de natureza simbólica e que representa a totalidade de “cristãos” (lê-se adventistas do sétimo dia) vivos por ocasião do segundo advento de Cristo. Porém, como veremos no desenrolar do artigo, tal concepção não reflete a posição original defendida por Ellen G. White e os demais pioneiros adventistas. É verdade que a própria Sra. White declarou que não possuía “luz” a respeito do assunto [1] e desencorajou toda e qualquer especulação no que diz respeito a quem comporia o grupo dos 144.000 selados.[2] Mas nos seus escritos encontramos evidências da sua crença e posição no tocante aos 144.000.

          No presente artigo, procuraremos restringir os nossos comentários ao mínimo possível e dar espaço para que as declarações da suposta autora inspirada falem por si e contrastar os últimos com o atual entendimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia a respeito do assunto. O artigo está dividido em tópicos: (1) Os 144.000 e o tempo do selamento; (2) 144:000: Número literal ou simbólico; (3) a identidade dos 144.000; (4) o testemunho dos pioneiros adventistas; (5) o testemunho de William White; (6) o problema; e (7) avaliação bíblica.

Os 144.000 e o Tempo do Selamento

          Apocalipse 7.1-8 é interpretado por muitos estudiosos da Bíblia como uma reposta ao questionamento levantado no capítulo anterior: “Porque é vindo o grande Dia da sua ira; e quem poderá subsistir?” (Ap 6.17). A resposta dada nos primeiros versículos do capítulo 7 de Apocalipse é a seguinte: Os 144.000. A soltura dos quatro ventos cardeais está condicionada ao assinalamento dos servos de Deus em número de 144.000 provenientes de todas as tribos israelitas (At 7.1-4). O sinal parece garantir a preservação e sobrevivência em meio à manifestação da ira de Deus durante a grande tribulação (cf. Ez 9.1-8).

          Ellen White descreve o selamento mencionado em Apocalipse 7.1-4 não como um acontecimento futuro, mas como já em andamento em seus dias:

“Satanás está agora usando cada artifício neste tempo de selamento a fim de desviar a mente do povo de Deus da verdade presente e levá-los a vacilar” (Primeiros Escritos, p. 43; grifo acrescentado).

“Eu vi que Satanás estava operando dessa maneira a fim de desviar, enganar e afastar de Deus o Seu povo, precisamente agora, neste tempo de selamento. Vi alguns que não estavam firmes ao lado da verdade presente. Seus joelhos estavam trementes e seus pés escorregavam, porque não estavam firmemente plantados na verdade, e a proteção do poderoso Deus não podia ser estendida sobre eles enquanto estavam assim trementes” (Primeiros Escritos, p. 44; grifo acrescentado).

“O tempo do selamento é muito curto, e logo passará. Agora, enquanto os quatro anjos estão contendo os ventos, é o tempo de fazer firme a nossa vocação e eleição” (Primeiros Escritos, p. 58).

          Em outra citação, a Sra. White é muito enfática:

“Outra ‘supressão’ reza assim: ‘Bem, louvado seja o Senhor, irmãos e irmãs, esta é uma reunião extraordinária para os que têm o selo do Deus vivo.’ “Não há nisto nada que não sustentemos ainda. Referências a nossas obras publicadas mostrarão nossa crença de que os vivos justos receberão o selo de Deus antes do fim da graça; também que eles fruirão honras especiais no reino de Deus” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 66; grifo acrescentado).

          Notem que a palavra “têm” está no tempo verbal presente, o que evidencia que, no pensamento de Ellen White, o selamento não estava reservado para um tempo futuro e distante, mas que já era uma realidade em seus dias.

          Em contrapartida, há uma citação de Ellen White que transmite a ideia de que o tempo do selamento se encontraria num futuro próximo e que é empregada pelos que advogam que o selamento é uma obra a ser realizada no fim, quando sair o Decreto Dominical e Cristo deixar o santuário celestial, e não a partir de 1844, para reforçarem a sua tese: “A obra do Senhor tem sido impedida, o tempo de selamento atrasado” (Carta 106, 1897). A citação não significa necessariamente que o selamento não estava em curso em 1897, visto que começou em 1844 no entendimento da Sra. White e dos demais pioneiros adventistas. Mas, se o último grupo citado estiver certo quanto à citação supracitada, isso apenas evidencia mais uma vez que Ellen White é uma profetisa contraditória em suas alegações.

          Mesmo que os adventistas atuais não vejam a questão do selamento como um ponto fundamental da sua fé, a Sra. White destacava a importância da sua divulgação:

“Numa reunião efetuada em Dorchester, Massachusetts, em novembro de 1848, foi-me concedida uma visão da proclamação da mensagem do assinalamento, e do dever que incumbia aos irmãos de publicarem a luz que resplandecia em nosso caminho” (Vida e Ensinos, p. 128).

144.000: Número Literal ou Simbólico?

          O número 144.000, que é mencionado em Apocalipse 7 e 14, é simbólico? Os adventistas do sétimo dia atualmente responderiam que “sim”. Em um artigo em seu site, Leandro Quadros descarta a ideia de os 144.000 de Apocalipse sejam um número literal: “[...] temos que aceitar que este [144.000] é um número simbólico para um Israel espiritual”. Para Quadros, “uma profecia não pode ser interpretada como sendo parcialmente literal e parcialmente simbólica”.[3] Porém, não encontramos nos escritos de Ellen White uma voz consonante com a declaração de Quadros.

          Ellen White é enfática em declarar que, por ocasião da volta de Cristo, haveria literalmente 144.000 santos:

“Logo ouvimos a voz de Deus, semelhante a muitas águas, a qual nos anunciou o dia e a hora da vinda de Jesus. Os santos vivos, em número de 144.000, reconheceram e entenderam a voz, ao passo que os ímpios julgaram fosse um trovão ou terremoto. Ao declarar Deus a hora, verteu sobre nós o Espírito Santo, e nosso rosto brilhou com o esplendor da glória de Deus, como aconteceu com Moisés, na descida do monte Sinai” (Primeiros Escritos, p. 15; grifo acrescentado).

          A expressão “em número de 144.000” indica claramente que a Sra. White cria que o número 144.000 era de caráter literal, e não simbólico. Um detalhe interessante sobre essa citação é que ela integra o relato da primeira suposta visão de Ellen White, ocorrida em dezembro de 1844.

          Na obra O Grande Conflito, Ellen White faz menção do grupo especial dos 144.000:

“[Os 144.000] passaram pelo tempo de angústia tal como nunca houve desde que houve nação; suportaram a aflição do tempo da angústia de Jacó; permaneceram sem intercessor durante o derramamento final dos juízos de Deus. Mas foram livres, pois ‘lavaram os seus vestidos, e os branquearam no sangue do Cordeiro.’ ‘Na sua boca não se achou engano; porque são irrepreensíveis’ diante de Deus. ‘Por isso estão diante do trono de Deus, e O servem de dia e de noite no Seu templo; e Aquele que está assentado sobre o trono os cobrirá com a Sua sombra.’ Apocalipse 7:15. Viram a Terra devastada pela fome e pestilência, o Sol com poder para abrasar os homens com grandes calores, e eles próprios suportaram o sofrimento, a fome e a sede. Mas ‘nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem Sol nem calma alguma cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima.’ Apocalipse 7:16, 17” (O Grande Conflito, p. 648).

          Ao longo da obra, Ellen White gasta tinta da sua pena para decodificar o sentido de vários símbolos apocalípticos, entre eles, as duas testemunhas de Apocalipse 11 e as duas bestas de Apocalipse 13. Mas ao se referir aos 144.000, torna-se evidente que ela não considerava o número como um elemento simbólico.

          Outras citações reforçam a ideia da natureza literal do número 144.000 no pensamento e na crença de Ellen White:

·        Os 144.000 estarão selados e perfeitamente unidos: “Os 144.000 estavam todos selados e perfeitamente unidos. Em sua testa estava escrito: ‘Deus, Nova Jerusalém’, e tinham uma estrela gloriosa que continha o novo nome de Jesus” (Vida e Ensinos, p. 58).

·        As coroas de cada um dos 144.000 não são iguais: “Todos nós entramos na nuvem, e estivemos sete dias ascendendo para o mar de vidro, aonde Jesus trouxe as coroas, e com Sua própria destra as colocou sobre nossa cabeça. Deu-nos harpas de ouro e palmas de vitória. Ali, sobre o mar de vidro, os 144.000 ficaram em quadrado perfeito. Alguns deles tinham coroas muito brilhantes; outros, não tanto. Algumas coroas pareciam repletas de estrelas, ao passo que outras tinham poucas. Todos estavam perfeitamente satisfeitos com sua coroa” (Primeiros Escritos, p. 16).

·        Somente os 144.000 entrarão no templo no Monte Sião celestial: “E quando estávamos para entrar no santo templo, Jesus levantou Sua bela voz e disse: ‘Somente os 144.000 entram neste lugar’, e nós exclamamos: ‘Aleluia’!” (Ibid., p. 18).

·        No céu, há mesas de pedra em que estão gravados os nomes dos 144.000: “Esse templo era apoiado por sete colunas, todas de ouro transparente, engastadas de pérolas belíssimas. As maravilhosas coisas que ali vi, não as posso descrever. Oh! se me fosse dado falar a língua de Canaã, poderia então contar um pouco das glórias do mundo melhor. Vi lá mesas de pedra, em que estavam gravados com letras de ouro os nomes dos 144.000” (Ibid., p. 19).

A Identidade dos 144.000

          Segundo o que a Sra. White diz na página 648 do livro O Grande Conflito, transcrito anteriormente, os 144.000 possuem as seguintes características escatológicas:

§  Passarão pelo tempo de angústia descrito em Daniel 12.1;
§  Suportarão o tempo de angústia de Jacó mencionado em Jeremias 30.7;
§  Permanecerão sem intercessor durante o derramamento das sete taças da ira de Deus de Apocalipse 16;

          Como já vimos no decorrer do artigo, em Primeiros Escritos, página 15, Ellen White deixa claro que 144.000 santos estarão vivos por ocasião da segunda vinda de Cristo. Porém, há uma citação que, além de aparentemente contradizer o que ela mesma escreveu em O Grande Conflito, página 648, lança mais luz na questão:

“Vi que ela [Sra. Hastings] estava selada, e à voz de Deus ressurgiria e se ergueria sobre a terra, e estaria com os 144.000. Vi que não precisamos chorar sobre ela; ela repousaria durante o tempo da angústia, e tudo que pudéssemos lamentar seria nossa perda de ficar privados de sua companhia. Vi que seu falecimento redundaria em bem” (Mensagens Escolhidas, vol. 2, p. 263; grifo acrescentado).

          A citação acima indica que os que morreram na mensagem adventista desde 1844, identificados com a terceira mensagem angélica de Apocalipse 14, ressuscitariam e integrariam o grupo dos 144.000 selados. São esses que, segundo a Sra. White, se levantariam do pó da terra na chamada “ressurreição especial” ou “ressurreição parcial”, que dar-se-á no início do derramamento da sétima praga de Apocalipse 16.17-21, pouco antes da volta de Cristo:

“É à meia-noite que Deus manifesta o Seu poder para o livramento de Seu povo. O Sol aparece resplandecendo em sua força. Sinais e maravilhas se seguem em rápida sucessão. Os ímpios contemplam a cena com terror e espanto, enquanto os justos vêem com solene alegria os sinais de seu livramento. Tudo na Natureza parece desviado de seu curso. As correntes de água deixam de fluir. Nuvens negras e pesadas sobem e chocam-se umas nas outras. Em meio dos céus agitados, acha-se um espaço claro de glória indescritível, donde vem a voz de Deus como o som de muitas águas, dizendo: ‘Está feito.’ Apocalipse 16:17. “Essa voz abala os céus e a Terra. Há um grande terremoto ‘como nunca tinha havido desde que há homens sobre a Terra; tal foi este tão grande terremoto.’ Apocalipse 16:18. O firmamento parece abrir-se e fechar-se. A glória do trono de Deus dir-se-ia atravessar a atmosfera. As montanhas agitam-se como a cana ao vento, e anfractuosas rochas são espalhadas por todos os lados. Há um estrondo como de uma tempestade a sobrevir. O mar é açoitado com fúria. Ouve-se o sibilar do furacão, semelhante à voz de demônios na missão de destruir. A Terra inteira se levanta, dilatando-se como as ondas do mar. Sua superfície está a quebrar-se. Seu próprio fundamento parece ceder. Cadeias de montanhas estão a revolver-se. Desaparecem ilhas habitadas. Os portos marítimos que, pela iniquidade, se tornaram como Sodoma, são tragados pelas águas enfurecidas. A grande Babilônia veio em lembrança perante Deus, ‘para lhe dar o cálice do vinho da indignação da Sua ira.’ Apocalipse 16:19, 21. Grandes pedras de saraiva, cada uma “do peso de um talento”, estão a fazer sua obra de destruição. As mais orgulhosas cidades da Terra são derribadas. Os suntuosos palácios em que os grandes homens do mundo dissiparam suas riquezas com a glorificação própria, desmoronam-se diante de seus olhos. As paredes das prisões fendem-se, e o povo de Deus, que estivera retido em cativeiro por causa de sua fé, é libertado. “Abrem-se sepulturas, e ‘muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno.’ Daniel 12:2. Todos os que morreram na fé da mensagem do terceiro anjo saem do túmulo glorificados para ouvirem o concerto de paz, estabelecido por Deus com os que guardaram a Sua lei. ‘Os mesmos que O traspassaram’ (Apocalipse 1:7), os que zombaram e escarneceram da agonia de Cristo, e os mais acérrimos inimigos de Sua verdade e povo, ressuscitam para contemplá-Lo em Sua glória, e ver a honra conferida aos fiéis e obedientes” (O Grande Conflito, pp. 636,637; grifo acrescentado).

          Vejamos um texto similar e paralelo a este do livro O Grande Conflito:

“Foi à meia-noite que Deus preferiu livrar o Seu povo. Estando os ímpios a fazer zombarias em redor deles, subitamente apareceu o Sol, resplandecendo em sua força e a Lua ficou imóvel. Os ímpios olhavam para esta cena com espanto, enquanto os santos viam, com solene alegria, os indícios de seu livramento. Sinais e maravilhas seguiam-se em rápida sucessão. Tudo parecia desviado de seu curso natural. Os rios deixavam de correr. Nuvens negras e pesadas subiam e batiam umas nas outras. Havia, porém, um lugar claro, de uma glória fixa, donde veio a voz de Deus, semelhante a muitas águas, abalando os céus e a Terra. Houve um grande terremoto. As sepulturas se abriram e os que haviam morrido na fé da mensagem do terceiro anjo, guardando o sábado, saíram de seus leitos de pó, glorificados, para ouvir o concerto de paz que Deus deveria fazer com os que tinham guardado a Sua lei. “O céu abria-se e fechava-se, e estava em comoção. As montanhas tremiam como uma vara ao vento, e lançavam por todos os lados pedras irregulares. O mar fervia como uma panela e lançava pedras sobre a terra. E, falando Deus o dia e a hora da vinda de Jesus, e declarando o concerto eterno com o Seu povo, proferia uma sentença e então silenciava, enquanto as palavras estavam a repercutir pela Terra. O Israel de Deus permanecia com os olhos fixos para cima, ouvindo as palavras enquanto elas vinham da boca de Jeová e ressoavam pela Terra como estrondos do mais forte trovão. Era terrivelmente solene. No fim de cada sentença, os santos aclamavam: ‘Glória! Aleluia!’ Seus rostos iluminavam-se com a glória de Deus, e resplandeciam de glória como fazia o de Moisés quando desceu do Sinai. Os ímpios não podiam olhar para eles por causa da glória. E, quando a interminável bênção foi pronunciada sobre os que haviam honrado a Deus santificando o Seu sábado, houve uma grande aclamação de vitória sobre a besta e sua imagem” (Primeiros Escritos, pp. 285,286; grifo acrescentado).

          Uma análise das citações transcritas acimas torna claro que antes da ressurreição especial ou parcial o número de 144.000 não estará completo ainda. Somente após a ressurreição especial que a profecia de Ellen White registrada em Primeiros Escritos, página 15, que diz que os santos vivos em número de 144.000 ouvirão e reconhecerão a voz de Deus anunciando o dia e a hora da volta de Jesus, cumprir-se-á, pois o número terá sido completado. Fica evidente que a ressurreição especial tem íntima relação com a questão dos 144.000.

          A própria Sra. White, que faleceu em 1915, deu a entender que faria parte dos 144.000 em um de seus escritos:

“E quando estávamos para entrar no santo templo, Jesus levantou Sua bela voz e disse: ‘Somente os 144.000 entram neste lugar’, e nós exclamamos: ‘Aleluia’! “Esse templo era apoiado por sete colunas, todas de ouro transparente, engastadas de pérolas belíssimas. As maravilhosas coisas que ali vi, não as posso descrever. Oh! se me fosse dado falar a língua de Canaã, poderia então contar um pouco das glórias do mundo melhor. Vi lá mesas de pedra, em que estavam gravados com letras de ouro os nomes dos 144.000. Depois de contemplar a beleza do templo, saímos, e Jesus nos deixou e foi à cidade” (Primeiros Escritos, p. 19; grifo acrescentado).

          Notem que, na suposta visão, quando Jesus disse que somente os 144.000 é que podiam entrar no tempo, Ellen White entrou. Logo, conclui-se que ela compõe também os 144.000.

“Talvez eu viva até a vinda do Senhor; se assim não for, porém, confio que seja dito a meu respeito: ‘Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam.’ Apoc. 14:13” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, pp. 55,56; grifo acrescentado).

          Como pode ser visto, a esperança de Ellen White é que fosse dito a respeito dela o que está escrito em Apocalipse 14.13. O que significa isso?

“Nas visões que lhe foram concedidas dos acontecimentos futuros, o profeta João contemplou essa cena. Este culto dos demônios lhe foi revelado e pareceu-lhe que todo o mundo estava à borda da perdição. Mas enquanto olhava com grande interesse, notou a assembleia dos que guardam os mandamentos de Deus. Tinham na testa o selo do Deus vivo, e disse: ‘Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus. E ouvi uma voz do Céu, que me dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam” (Testemunhos Seletos, vol. 2, p. 370; grifo acrescentado).

          Notem que àqueles a quem as palavras de Apocalipse 14.13 são dirigidas têm na testa o selo de Deus (o sábado, na concepção adventista) e, por isso, fazem parte do número de selados. No ano de 1899, na Carta 207, a Sra. White escreveu a respeito do texto referido:

Em nossa Terra vivem homens que passaram dos noventa anos de idade. Os resultados naturais da velhice se fazem notar em sua debilidade. Mas eles creem em Deus, e o Senhor os ama. O selo de Deus está neles, e se encontrarão entre aqueles a cujo respeito o Senhor disse: ‘Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor.’(The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 7, p. 982; grifo acrescentado).

          No texto acima, Ellen White destaca que os que morreram fiéis à mensagem adventista haviam recebido o selo de Deus e, por isso, faziam parte dos 144.000.

          Porém, o privilegio de integrar os 144.000 selados estava condicionado à sua fidelidade:

“O Senhor me proporcionou uma vista de outros mundos [...] fui levada a um mundo que tinha sete luas. Vi ali o bom e velho Enoque, que tinha sido trasladado. Em sua destra tinha uma palma resplendente, e em cada folha estava escrito: ‘Vitória.’ Pendia-lhe da cabeça uma grinalda branca, deslumbrante, com folhas, e no meio de cada folha estava escrito: ‘Pureza’, e em redor da grinalda havia pedras de várias cores que resplandeciam mais do que as estrelas, e lançavam um reflexo sobre as letras, aumentando-lhes o volume. Na parte posterior da cabeça havia um arco em que rematava a grinalda, e nele estava escrito: ‘Santidade.’ Sobre a grinalda havia uma linda coroa que brilhava mais do que o Sol. Perguntei-lhe se este era o lugar para onde fora transportado da Terra. Ele disse: ‘Não é; minha morada é na cidade, e eu vim visitar este lugar.’ Ele percorria o lugar como se realmente estivesse em sua casa. Pedi ao meu anjo assistente que me deixasse ficar ali. Não podia suportar o pensamento de voltar a este mundo tenebroso. Disse então o anjo: ‘Deves voltar e, se fores fiel, juntamente com os 144.000 terás o privilégio de visitar todos os mundos e ver a obra das mãos de Deus.’” (Primeiros Escritos, pp. 39,40; grifo acrescentado).

          Caso todas essas citações sobre esse último aspecto do posicionamento de Ellen White a respeito dos 144.000 não tenha surtido efeito em convencer o leitor, o testemunho de John Norton Loughborough (1832-1924), que foi um pioneiro adventista do sétimo dia, dissipa toda e qualquer dúvida:

Se ainda há dúvida quanto a serem os ressuscitados guardadores do sábado numerados com os cento e quarenta e quatro mil, considere-se as seguintes palavras da irmã White em 1909. Na Conferência Geral de 1909, o ancião Irwin tinha um estenógrafo acompanhando-o numa visita à irmã White. Ele desejava fazer a ela algumas perguntas e obter cópia exata das palavras das perguntas, e as palavras exatas das respostas. Entre outras perguntas, havia esta: ‘Os que morrem na mensagem estarão entre os cento e quarenta e quatro mil?’ Em resposta, a irmã White disse: ‘Oh, sim, os que morreram na fé estarão entre os cento e quarenta e quatro mil. É-me claro este assunto.’ Estas foram exatamente as palavras da pergunta e da resposta, conforme o irmão Irwin me permitiu copiar do relatório de seu estenógrafo.” (Questions on the Sealing Message, p. 31; grifo acrescentado).

O Testemunho dos Pioneiros Adventistas

          Em 1905, Ellen White escreveu: “Quando o homem vier mover um alfinete do nosso fundamento o qual Deus estabeleceu pelo seu Santo Espírito, deixe os homens de idade que foram os pioneiros no nosso trabalho falar abertamente, e os que estiverem mortos falem também, reimprimindo os seus artigos das nossas revistas. Juntemos os raios da divina luz que Deus tem dado, e como Ele guiou seu povo, passo a passo no caminho da verdade. Esta verdade permanecerá pelo teste do tempo e da experiência” (Manuscript Releases, vol. 1, p. 55). Por isso, transcreveremos declarações de pioneiros adventistas do sétimo dia sobre o número 144.000 a seguir:

• James (Tiago) White: “Os que morrem sob a mensagem do terceiro anjo são uma  parte  dos  144.000;  não  há 144.000 em acréscimo a estes, mas estes ajudam a formar aquele número.  São  ressuscitados para a vida mortal pouco antes, de Cristo  vir,  e, como os dos 144.000 que não passaram pela sepultura,  são  trasladados  para  a  imortalidade  quando Cristo aparecer” (Review and Herald, 23 de setembro de 1880).

• Joseph Bates: “Agora todos os  crentes  adventistas  que  possuem  a  mensagem  do   advento   conforme  são dadas em Ap. 14:6-13 e nela  tomam  parte,  amarão  e  guardarão  este  concerto  com  Deus, especialmente Seu Santo Sábado, neste concerto;  esta  é  uma  parte  dos  144.000  a  ser  selada agora” (A Seal of the Living God, p. 61).

• Stephen Haskell: “Após o desapontamento de 1844, o povo de Deus  viu a luz sobre o assunto do santuário no céu. Então eles viram  a  exigência  obrigatória  do  quarto mandamento, bem como dos outros  nove  mandamentos  do  decálogo.  A  reforma  do  sábado começou  naquele  tempo;   por   volta   de   1844   começou   a   ser   reconhecida  como   o cumprimento de Apocalipse 7:1-4” (Bible Handbook, p. 88).

• H. R. Johnson: “Entre os que aclamam a vitória sobre a besta  e  sobre  a  sua  imagem  estavam  aqueles  que tinham saído das suas sepulturas na ressurreição especial, e  foram  vistos  no  mar  de  vidro. Eles eram  ‘os santos vivos em número de  144.000’ — [Early Writings], página 11.)” (Review and Herald, 27 de julho de 1905).

• Uriah Smith: “Os que morrem depois de se  ter  identificado  com  a  mensagem  do  terceiro  anjo  são evidentemente contados como uma parte dos 144.000” (Daniel and the Revelation, p. 634, nota de rodapé, edição de 1905).

          A Revista Adventista de novembro de 1973 definiu a posição dos pioneiros adventistas sobre os 144.000:

“É a chamada posição antiga, baseada nos escritos de Loughborough e Urias Smith, segundo a qual o Selamento começou em 1844, com santos que aceitaram a Mensagem do Terceiro Anjo. Ressuscitarão antes da volta de Cristo e, juntos com os santos vivos, formarão o grupo privilegiado, integrarão os 144.000 Quer dizer que estes, que morreram sob a Terceira Mensagem, estarão vivos e se juntarão aos que já estavam vivos, e todos formam o grupo”.[4]

O Testemunho de William White

          William Clarence White (1854-1937) foi um dos filhos de Ellen White e trabalhou como assistente editorial e gerente de suas publicações. Em 1888, ele serviu seis meses como presidente em exercício da Conferência Geral, enquanto esperavam o presidente eleito O. A. Olsen chegar da Europa e assumir suas funções. Após a morte de sua mãe, Willie, como também era conhecido, estabeleceu o que é conhecido hoje como o escritório White Estate. Devido à sua proximidade com a sua mãe enquanto era viva, William C. White era frequentemente consultado sobre assuntos relativos aos escritos da Sra. White. Por esse motivo, o seu testemunho acerca do pensamento de Ellen White a respeito dos 144.000 é de peso histórico, cuja relevância não pode ser negligenciada.

          Em uma de suas cartas, William White define a posição de sua mãe sobre os 144.000:

“Vamos à pergunta: Ensinava a irmã White que aqueles que morreram na mensagem desde 1844 e de quem é dito: ‘Bem aventurado os mortos que desde agora morrem  no  Senhor’, serão membro dos 144.000? “Posso assegura-te, irmão, que essa era a crença e o ensino de E. G. White. Muitas vezes eu a ouvi fazer declarações com esse efeito e tenho em meu poder uma carta ao irmão Hastings, que é mencionado à página de Life Sketches, na qual  ela  diz  claramente  que  a  esposa  dele,  que havia falecido recentemente, seria membro dos 144.000. “Numa carta recebida dum irmão em Reno, Nevada, faz-se  referência  a  uma  declaração  do livro do pastor Loughborough encontrada na página 29,  em  que  é  relatado  que  a  irmã  White disse: ‘Os que morreram na fé estarão entre os 144.000. É-me claro este assunto’. “E eu,  meu  irmão, testifico  que  isso  está  em  harmonia   com   os   seus   escritos,  suas explicações e seus ensinos através de todos os anos de seu ministério” (Carta de W. C. White, datada de 18 de abril de 1929).

          Como podemos ver, William White não tinha dúvidas quanto ao que a sua mãe cria e pensava sobre os 144.0000 e, para embasar a sua asserção, citou uma declaração escrita e outra verbal da Sra. White.

O Problema

          Ao olhar para a crença dos pioneiros e para a atual posição oficial da IASD no que diz respeito aos 144.000, as diferenças entre uma e outra são visíveis. Hoje, não se sustenta mais dentro da IASD que o número 144.000 é literal e que é composto pelos que morreram fielmente na fé adventista e que estarão vivos durante os eventos finais na escatologia adventista do sétimo dia.

          Na revista Sinais dos Tempos, julho de 1998, página 29, o pastor adventista Alberto Timm afirma:

“Uma vez que as doze tribos de Apocalipse 7 devem ser interpretadas simbolicamente, surge a indagação: podemos entender o seu número como literal? Embora alguns comentaristas o façam, existe uma forte tendência de ver nessa multiplicação de 12 vezes 12.000 (= 144.000) apenas um símbolo da totalidade de componentes da última geração dos salvos que estarão vivos por ocasião da volta de Cristo” (grifo acrescentado).[5]

          O que teria, então, motivado tamanha mudança na visão doutrinária da IASD sobre os 144.000? Nos primórdios da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a denominação contava com um número consideravelmente pequeno de membros a ponto de Uriah Smith exclamar num periódico da denominação:

“O número, 144.000, deve significar um número definido, composto de exatamente tantos indivíduos. Não pode representar um número maior, indefinido, pois no verso 9 é apresentado outro grupo que é indefinido em suas proporções, e daí se falar dele como ‘uma grande multidão, que ninguém podia contar’. Se os 144.000 se destinassem a representar tal número indefinido, João teria dito no verso 4: ‘E foi assinalada uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as tribos dos filhos de Israel.’ Em vez disso, porém, ele diz 144.000, doze mil de cada tribo, um número que facilmente pode ser contado. A razão dessa distinção é evidente se tomarmos a inumerável multidão do verso 9 como toda a hoste dos remidos, que terão parte na primeira ressurreição, e os 144.000 como os cristãos que estarão vivos na Terra quando Cristo aparecer. E que os 144.000 são os que assim estarão vivos e encontrarão a Cristo em Sua segunda vinda, se evidencia pela profecia em que são a seguir mencionados, isto é, Apocalipse 14:1-5. Aqui são representados como saindo triunfantes do último conflito religioso deste mundo (Ap 13:12-18), e como sendo ‘remidos da Terra’, e ‘remidos dentre os homens’. Apocalipse 14:3 e 4. Haverá então só 144.000 salvos dentre os vivos quando o Senhor aparecer? Não pode ser esse número de tal modo representativo que inclua muitos outros? Parece ser uma suposição bem plausível que o caso seja este último, a saber que os 144.000 só incluam os adultos masculinos unidos ao grande movimento do advento, ao passo que as mulheres e crianças unidas ao mesmo movimento seriam tantos excedentes a serem salvos dentre os vivos naquele dia. A plausibilidade desta ideia consiste no fato de que os hebreus foram assim numerados quando libertos do cativeiro egípcio, o que era figura do livramento do remanescente do verdadeiro Israel do Egito deste mundo na vinda do Senhor. Três milhões ao todo saíram do Egito, contudo foram numerados apenas os que eram aptos para a guerra, de vinte anos para cima, totalizando 603.550. Números 1:2, 3 e 46. Isso seria cerca de um para cinco de toda a multidão, como calcula o Dr. Clarke, a propósito de Êxodo 12:37, onde o número de combatentes é dado como somente cerca de 600.000. Se a numeração de Apocalipse 7:4 se firmasse na mesma base (do que, sem dúvida, não há prova positiva), daria o número a ser trasladado provavelmente mais de setecentos mil em vez de apenas cento e quarenta e quatro mil. Seria de fato mui prazenteiro pensar que tantos estivessem preparados para o aparecimento do Senhor. Mas, olhando o estado do mundo, e observando o rápido declínio religioso destes dias, a maravilha é onde tantos como 144.000 poderão ser encontrados que estejam prontos para quando o Senhor aparecer” (Review and Herald, 10 de agosto de 1897; grifo acrescentado).

          Na época de Uriah Smith, o número 144.000 era impossivelmente grande, praticamente inatingível. Atualmente, o número 144.000 é impossivelmente pequeno para uma igreja em plena fase de crescimento. Para se ter uma ideia, em 31 de dezembro de 2016, a Igreja Adventista do Sétimo Dia ultrapassou a faixa dos 20 milhões de membros em todo o mundo, crescimento esse que tem como fator principal o envolvimento dos fiéis num intenso programa de proselitismo chamado Envolvimento Total de Membros (ETM).[6]

          A onda de crescimento na IASD, que começou tímida e lentamente nos seus primórdios e foi se acelerando com o passar do tempo, principalmente após a morte dos pioneiros, o que fez com que a tese defendida por eles se mostrasse inadequada diante de uma nova realidade, inimaginável na época dos que iniciaram o movimento adventista do sétimo dia. É muito provável que os fatores que conduziram à essa mudança doutrinária foram mais psicológicas do que teológicas. Como explicar a uma denominação com milhões de membros que somente 144.000 serão salvos, incluindo nesse total fiéis que morreram crendo na mensagem adventista desde 1844?

          A Revista Adventista de novembro de 1973 define a nova posição:

“A outra posição — que tem mais defensores — sustenta que o Selamento é uma obra a ser realizada no fim, quando sair o decreto dominical e Cristo deixar o Santuário Celestial, e não a partir de 1844. Dizem ser absurda outra ressurreição para que os que morreram sob a Mensagem do Terceiro Anjo possam sair das sepulturas e integrar o grupo dos 144.000”.[7]

          Esta última posição tem o apoio majoritário dos membros da IASD porque não limita as vagas da salvação desde o início da proclamação da mensagem adventista em 1844 a 144.000. Assim, nessa questão, os fiéis da IASD se distanciaram dos pioneiros e adotaram uma nova interpretação do que os escritos de Ellen White dizem sobre os 144.000 selados.

          Convencemo-nos de que a explicação de Ubaldo Torres de Araújo sobre a mudança é satisfatória e contundente:

“Na questão doutrinária dos 144.000, o tempo lutou contra a Igreja, que cresceu bastante em número de membros. De que maneira? Como o número dos que, até agora, se identificaram com o movimento de 1844 e morreram nele já atinge uma cifra consideravelmente alta, sem falar nos que se agruparão ao movimento até a volta de Cristo, é evidente que 144.000 salvos, durante todo o período, representariam um resultado não muito auspicioso. Assim sendo, quando, hoje, alguém mais exigente pergunta quem são os 144.000, diz-se, sem muitas explicações, que são os que Cristo encontrará vivos e fiéis por ocasião de Sua volta. Justo assim me ensinaram, no passado. Já não se diz mais que nos 144.000 estão incluídos os que morreram ao som da tríplice mensagem”.[8]

          A atual situação da IASD, com os seus mais de 20 milhões de membros (com base em dados de 2017), contudo, não se encaixa perfeitamente com as visões de Ellen White sobre a IASD no futuro. Em um de seus escritos, Ellen White prediz que os que estarão envolvidos na proclamação final da mensagem adventista não chegam à casa dos milhões, mas apenas à cifra dos milhares:

“Servos de Deus, com o rosto iluminado e a resplandecer de santa consagração, apressar-se-ão de um lugar para outro para proclamar a mensagem do Céu. Por milhares de vozes em toda a extensão da Terra, será dada a advertência. Operar-se-ão prodígios, os doentes serão curados, e sinais e maravilhas seguirão aos crentes. Satanás também opera com prodígios de mentira, fazendo mesmo descer fogo do céu, à vista dos homens (Apoc. 13:13). Assim os habitantes da Terra serão levados a decidir-se” (O Grande Conflito, p. 612; grifo acrescentado).

          Segundo a profetisa adventista, a pregação da mensagem adventista sob os efeitos da “chuva serôdia” – evento na escatologia adventista do sétimo dia que corresponde ao derramamento final do Espírito de Deus sobre o povo adventista com o fim de prepará-lo para a volta de Jesus e acelerar a conclusão da obra adventista – resultará em milhares de conversões:

Milhares se converterão à verdade num dia, os quais na hora undécima verão e reconhecerão a verdade e as atuações do Espírito de Deus” (Eventos Finais, p. 212; grifo acrescentado).

          Após ou simultaneamente com a “chuva serôdia”, há um evento escatológico denominado de “sacudidura”, que ocorreria como um resultado da “chuva serôdia”. Sob suposta inspiração divina, Ellen White descreveu a “sacudidura” nos seguintes termos:

“Minha atenção foi encaminhada para a providência de Deus entre Seu povo, e foi-me mostrado que toda prova feita pelo processo de refinamento e purificação sobre os professos cristãos demonstra que alguns são escória. Nem sempre aparece o fino ouro. Em toda crise religiosa alguns caem sob a tentação. O peneiramento de Deus sacode fora multidões, como folhas secas. A prosperidade multiplica a massa dos que professam. A adversidade os leva para fora da Igreja. Como uma classe, não tem o espírito firme em Deus. Saem de nós, porque não são de nós; pois quando surge tribulação ou perseguição por causa da palavra, muitos se escandalizam” (Testemunhos Seletos, vol. 1, p. 479; grifo acrescentado).

“Logo o povo de Deus será provado por ardentes provas, e a grande proporção dos que agora parecem genuínos e verdadeiros, demonstrar-se-á metal vil. Em vez de se fortalecerem e confirmarem com a oposição, as ameaças e abusos, tomarão covardemente o lado dos oponentes [...] Quando a religião de Cristo for mais desprezada, quando Sua lei mais desprezada for, então deve nosso zelo ser mais ardoroso e nosso ânimo e firmeza mais inabaláveis. Permanecer em defesa da verdade e justiça quando a maioria nos abandona, ferir as batalhas do Senhor quando são poucos os campeões - essa será nossa prova” (Testemunhos Seletos, vol. 2, p. 31; grifo acrescentado).

          Esse período, de acordo com as descrições proféticas feitas por Ellen White, será tão terrível para a IASD que ela chega a declarar que a instituição adventista pareceria próxima ao seu fim:

A igreja talvez pareça como prestes a cair, mas não cairá. Ela permanece, ao passo que os pecadores de Sião serão lançados fora no joeiramento - a palha separada do trigo precioso. É esse um transe terrível, não obstante importa que tenha lugar” (Mensagens Escolhidas, vol. 2, p. 380; grifo acrescentado).

          Mesmo com um êxodo maciço de membros retratado por Ellen White em seus escritos, sendo que a maioria dos membros sairia da IASD nessa época, segundo ela, outros ocupariam os lugares deixados pelos da classe do “joio”:

“Os lugares vagos nas fileiras serão preenchidos pelos que foram representados por Cristo como tendo chegado na hora undécima. Há muitos com quem o Espírito de Deus está lutando. O tempo dos juízos destruidores da parte de Deus é o tempo de misericórdia para aqueles que [agora] não têm oportunidade de aprender o que é a verdade. O Senhor olhará para eles com ternura. Seu coração compassivo se enternece, e a mão do Senhor ainda está estendida para salvar, enquanto a porta é fechada para os que não querem entrar. Será admitido um grande número de pessoas que nestes últimos dias ouvirem a verdade pela primeira vez” (Eventos Finais, p. 182; grifo acrescentado).

          Esses “que foram representados por Cristo como tendo chegado na hora undécima” são muito provavelmente os “milhares”, mencionados em Eventos Finais, página 212, que se converterão sob a pregação poderosa da mensagem adventista causada pelo impacto da “chuva serôdia”.

          É perfeitamente aceitável crer, com base nos escritos de Ellen White, que esses “milhares” comporão os 144.000, junto com os que não saíram da IASD durante a “sacudidura” e os que morreram fielmente na mensagem adventista desde 1844. Levando em conta a posição de Ellen White e dos pioneiros sobre os 144.000 selados, conclui-se que ou os adventistas atuais se afastaram da “luz menor” (uma das designações conferidas aos escritos de Ellen G. White) ou Ellen White não foi inspirada por Deus não ter previsto que a denominação que ajudara a fundar atingiria no futuro a cifra dos milhões de membros.

Avaliação Bíblica

          Embora a Igreja seja chamada na Bíblia de “Israel de Deus” (Gl 6.16), isso apenas se refere ao fato de que os cristãos compartilham da mesma fé que Abraão e, por isso, são seus descendentes espirituais (Gl 3.29). Em parte alguma do NT os cristãos são tratados como filhos de Israel nem divididos em tribos, como acontece em Apocalipse 7.4-8.

          Num comentário acerca de Apocalipse 7.4-8, o teólogo pentecostal Stanley Horton enfatiza que tais distinções tribais inexistem na Igreja de Cristo:

“Na Igreja, todas as divisões do Velho Pacto perdem o valor (G1 3.28). O Novo Testamento reconhece os judeus como divididos em doze tribos (Lc 22.30; At  26.7; Tg  1.1). Ana, a profetiza, era de Aser, uma das tribos do Norte (Lc 2.36). Atos  26.7 fala dos  judeus como ‘as nossas doze tribos’. Estes 144.000 são, com toda a certeza, judeus crentes selados à execução do serviço de Deus”.[9]

          De acordo com a interpretação dispensacionalista, a Igreja desaparece do cenário apocalíptico retratada em Apocalipse 4—19, que descreve em grande parte os eventos da tribulação final, pois já terá sido arrebatada antes desse período (1Ts 1.10; 4.15-17; Ap 3.10). Os 144.000 selados serão judeus literais, provenientes de todas as tribos israelitas, que se converterão a Cristo após o arrebatamento da Igreja (Ap 7.1-8) e que serão protegidos por Deus para exercerem a sua obra de testemunho (cf. Ap 14.1-5). O seu selamento apenas indica que terão as suas vidas poupadas durante a grande tribulação (cf. Ap 11.7; 20.4). Não possui nenhuma ligação com a observância do sábado, que foi abolido (Cl 2.16,17; cf. Gl 4.9-11), nem representa a totalidade de salvos desde alguma época específica.

Conclusão

O distanciamento por parte dos adventistas do sétimo dia na atualidade da posição de Ellen G. White e dos pioneiros adventistas em certos assuntos, incluindo o dos 144.000, é evidente e revela uma tendência gradual de desprezo do pretenso dom profético de Ellen White nos arraiais adventistas.

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Notas

[1] “Não tenho luz sobre o assunto [quem constituem precisamente os 144.000]. ... Tenha a bondade de dizer a meus irmãos que nada me foi apresentado acerca das circunstâncias de que escrevem, e só lhes posso expor aquilo que me foi apresentado. — Citado numa carta de C. C. Crisler a E. E. Andross, 8 de Dezembro de 1914. (No Arquivo de Documentos do Patrimônio White, Números 164.)” (Mensagens Escolhidas, vol. 3, p. 51).

[2] “Cristo diz que haverá na igreja pessoas que apresentarão fábulas e suposições, quando Deus deu verdades grandes, inspiradoras e de molde a enobrecer, as quais devem ser sempre conservadas no tesouro da memória. Quando os homens apanham esta e aquela teoria, quando são curiosos de saber alguma coisa que não lhes é necessário saber, Deus não os está conduzindo. Não é plano dEle que Seu povo apresente alguma coisa que eles supõem, a qual não é ensinada na Palavra de Deus. Não é Sua vontade que eles se metam em discussões acerca de questões que os não ajudam espiritualmente, tais como: Que pessoas vão constituir os cento e quarenta e quatro mil? Isto, aqueles que forem os eleitos de Deus hão de sem dúvida, saber em breve” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 174).

[3] QUADROS, Leandro. Os 144 mil de Apocalipse representam o número total dos salvos? Disponível em: <http://leandroquadros.com.br/os-144-mil-de-apocalipse-seria-o-numero-total-dos-salvos/>. Acesso em: 19 de mar. 2018.

[4] Consultoria Doutrinária. Revista Adventista, Santo André, n.º 11, p. 31, 1973.

[5] TIMM, Alberto. Quem são os 144 mil de Apocalipse 14? Disponível em: <http://www.centrowhite.org.br/perguntas/perguntas-e-respostas-biblicas/quem-sao-os-144-mil-de-apocalipse-14/>. Acesso em: 11 de abr. 2018.

[6] Igreja Adventista chega a 20 milhões de membros no mundo. Disponível em: <https://noticias.adventistas.org/pt/noticia/institucional/igreja-adventista-chega-20-milhoes-de-membros-em-todo-o-mundo/>. Acesso em: 11 de mai. 2018.

[7] Revista Adventista, p. 31.

[8] ARAUJO, Ubaldo Torres. O Adventismo. 1. ed. 1981, p. 101.

[9] HORTON, Stanley M. Apocalipse – As coisas que brevemente devem acontecer. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 253.

Comentários

  1. Boa tarde, estou estudando sobre este assunto e gostaria de pedir o link onde posso encontrar a carta de William C. Whte (de abril de 1929) foi foi citada.

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  2. Muito bom este seu trabalho, bastante esclarecedor reunindo as principais passagens sobre o tema diretamente do Espirito de Profecia, e para quem estuda percebe também que sua conclusão final é bastante coerente, quanto ao que o irmão referiu: "uma tendência gradual de desprezo do pretenso dom profético de Ellen White nos arraiais adventistas." Eu também tenho notado este processo gradual, e creio plenamente na literalidade dos 144.000 por razões claras de tudo o que vem ocorrendo convergindo para o que a irmã EGW profetizou em Mensagens Escolhidas volume 1, páginas 204 e 205, quanto a IASD deixar de guardar o Sábado, aceitando o domingo. Vejo nas Igrejas Centrais a instituição do culto dominical as 9:00 horas da manhã, sob o pretexto de ser um culto familiar, mas também é o mesmo argumento dos ecumenistas que seguem as diretrizes de Roma. Existem varias questões discordantes do Espirito de Profecia, defendidas por pastores adventistas que se apresentam na Rede da TV Novo Tempo, tais como que Jesus veio na condição pré-lapseriana, similar ao que a Igreja de Roma pregava para justificar Maria como Imaculada sem pecado, quando no Desejado de Todas as Nações, página 117 no capítulo 12 A Tentação, EGW afirma claramente a condição pós-lapseriana, com 4.000 anos. Existem muitas outras mensagens distorcidas que causam tristeza, e muitos estão sendo excluídos da Igreja porque levam aos pastores seus questionamentos com os livros do Espírito de Profecia abertos e grifados para que os pastores expliquem porque a nova direção da IASD está abandonando a Verdade dos Pioneiros tão rapidamente. E principalmente quando passou a fazer parte do World Church Concil, WCC, Concílio Mundial das Igrejas. A irmã EGW profetizou que muitos adventistas não suportarão a advertência do 3º anjo na terceira mensagem angélica. A IASD cresceu muito, e muitos que estão chegando fazem uma reforma parcial de tal modo que a IASD está sendo remodelada como uma igreja evangélica como todas as que existem... Eu creio que realmente quem vai terminar a obra serão principalmente dos leigos como uma igreja militante, e não a igreja nominal, embora existam muitos sinceros em diferentes frentes de trabalho, mas para advertir ao mundo é necessário coragem e conhecimento da VERDADE vivendo a MENSAGEM dia a dia... Espero que a direção da IASD realmente volte às origens como os Pioneiros para realmente terminar a OBRA COM A VERDADE, sem as falsas doutrinas que estão aceitando atualmente. DESCULPE por alongar muito meu comentário, e até por desabafar um bocado da minha angústia com o futuro da IASD.
    Que o SENHOR NOSSO MARAVILHOSO DEUS DE AMOR CONTINUE NOS ABENÇOANDO ATÉ A VOLTA DE NOSSO REI HEROI E SALVADOR JESUS CRISTO !!!
    Paulo Radicchi - cel 31- 9.9241-0270

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    Respostas
    1. Paulo Radicchi, obrigado pelo seu comentário! Não sou adventista do sétimo dia, mas mesmo assim recebi mensagens de apreço por parte de adventistas do sétimo dia, que nunca souberam da verdadeira posição de Ellen White e dos pioneiros sobre os 144.000. Não há dúvidas de que a IASD se afastou de alguns dos seus ensinamentos originais. Abraço!

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    2. Como já disse, creio no Simbolismo dos 144.000.
      Temos que levar em consideração o ENXERTO à Israel Espiritual e a Pregação das Três Mensagens Angélicas, que deram início ao chamado Tempo do Fim.
      Fôra dito por Ellen White que a Sra. Husting dormiria durante o Tempo de Angústia.
      Se ela, que fazia parte dos Pioneiros repousará nesse tempo, como os outros participarão com os 144.000 ?

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  3. Eu continuo afirmando que foge a Estrutura hermenêutica do Tema, inserir a nomeação das pessoas que tomarão parte na Ressurreição Especial como sendo parte, ou "complemento" dos 144.000.

    MOTIVOS:
    -. Eles não passarão pela morte ( FÍSICA )
    - Qualquer fato relacionado ao SELAMENTO FINAL é prospícuamente anunciado como sendo no Fim do Tempo da Graça, para que eles possam apresentar ao Mundo o Caráter Imaculado de Cristo.
    -°A SENHORA WHITE NO TEMPLO° Onde só é permitida a ENTRADA DOS 144.000.
    Se observarmos direito, no transcorrer da Leitura, veremos que ela teve uma Visão 'EXTERNA' do Templo, porque logo no início Jesus dá a ordem para que ninguém prossiga, pois que isso só seria permitido aos 144.000 conhecer aquele Magnífico Lugar, e a Iã White Aida não estava SELADA.
    'DEVES VOLTAR, E SE FORES FIEL, PODERÁS ESTAR. C.O.M. OS 144.000... '
    -ELES NÃO PECARÃO, e com todo respeito que devemos ter aos Pioneiros, aquele Aida não é o Padrão pra quem vai receber a 'CHUVA SERÓDIA'.

    Quanto à questão deles ( os 144.000). terem ligação com as Doze Tribos, devemos 'Ressaltar' o Caráter de cada Tribo, e levar em consideração o ENXERTAMENTO ESPIRITUAL que nós torna incontáveis tal qual a Grande Multidão.

    Paz !

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